VIDEOPERFORMANCE
Por Renato Sergio Sampaio
Para compreender o termo videoperformance é importante
entender primeiramente os conceitos de performance, videoarte e artemidia.
Depois, entender quando o vídeo documenta uma performance e quando o vídeo é
uma videoperformance.
1 Performance
Para Paul Zumthor, performance é a ação complexa pela qual uma mensagem
poética é simultaneamente transmitida e percebida, não apenas pela ação do intérprete
de uma obra, sua voz, todo o seu corpo, sua gestualidade, respiração,
transpiração, efeitos vocais e mais, mas também a função do receptor, os meios
e condições de transmissão da mensagem. Mesmo que silenciosa e distante, a
performance exige um receptor que acate a mensagem e reaja a ela e em virtude
deste diálogo, o receptor de alguma forma, torna-se co-autor da comunicação
poética. (ZUMTHOR, 2000)
O território da performance, por excelência, é sem
dúvida o corpo em ação. Por sua natureza interdisciplinar e multimidiática,
geralmente tem no corpo do artista seu ponto de partida e seu limite. Para Hugo
Fortes, é a partir do corpo que o artista recebe as informações sensoriais com
as quais elabora sua poética e é através do corpo que ele a expressa. Se na
performance não há limites para a utilização de mídias, técnicas, materiais ou
objetos, talvez o único denominador comum que reúna os artistas performáticos sob uma mesma
classificação seja a utilização do corpo em ação. (FORTES, 2008)
No caso da videoperformance, intérprete e ouvinte/espectador não se encontram fisicamente presentes
no mesmo instante em que esta se realiza. A performance mediatizada
tecnicamente necessita, pois, de aparatos técnicos para a emissão da mensagem
ou ainda, para a emissão e recepção, simultaneamente. É o caso do cinema, do
vídeo, da internet, dos microfones de amplificação, da transmissão radiofônica
e todas as mídias.
No âmbito das artes visuais,
a autora Regina Melim esclarece que:
Nas artes visuais, sempre que ouvimos a palavra
“performance”, é comum nos remetermos de imediato à utilização do corpo como
parte constitutiva da obra, e nossas principais referências têm sido
frequentemente os anos 1960 e 1970. Muitas vezes, também, somos levados a
pensar em um único formato, baseado no artista em uma ação ao vivo, visto por
um público, num tempo e espaço específicos. (MELIM, 2008, p. 7)
A participação do espectador diante da reavaliação do
objeto era imprescindível, estabelecendo ao artista a condição de um propositor
de ações, que seriam levadas a termo pelo espectador-participador. Obras como
as de Hélio Oiticica ou Lígia Clark, diante das quais o espectador era sempre
solicitado a usá-las ou manipulá-las, pois a mera contemplação não bastava para
revelar seu sentido. (MELIM, 2008,
p. 57)
Para Renato Cohen, autor do livro Performance
como Linguagem, o artista plástico dos anos 1950 visava valorizar o momento
da criação e desta maneira, a performance é, antes de tudo, uma expressão cênica.
Um quadro sendo exibido não caracteriza uma performance, mas alguém pintando
esse quadro, ao vivo, já poderia caracterizá-la. Numa classificação topológica,
a performance se colocaria no limite das artes plásticas e das artes cênicas,
sendo uma linguagem híbrida que guarda características da primeira enquanto
origem (o artista não é oriundo do teatro e ele é o sujeito e objeto de sua
arte) e da segunda enquanto finalidade (o artista transforma-se em atuante,
agindo como um performer - artista
cênico).
O performer trabalha em cima
de suas habilidades, sejam elas físicas (dança, malabarismo, canto) ou até
totalmente intelectuais. Sua criação tem um vocabulário próprio, interessando
uma marca pessoal ou do grupo. Só que há uma acentuação muito maior do instante
presente, do momento da ação (o que acontece no tempo real). Isso cria a
característica de rito com o público, não sendo mais só espectador, e sim,
estando numa espécie de comunhão. No próprio processo de propaganda do
espetáculo vai se veicular a figura do artista e não alguma coisa que ele vai
representar. Anuncia-se uma performance de Aguillar, de Ivald Granatto, de
Denise Stocklos, e não das personagens ou da peça que eles possam fazer.
Na performance
geralmente se trabalha com persona e não personagens. A persona diz respeito a
algo mais universal, arquetípico (exemplo: o velho, o jovem, o urso, o diabo, a
morte, etc). A personagem é mais referencial. Uma persona é uma galeria de
personagens [...] O trabalho do performer é “levantar” sua persona. (COHEN, 2011, p.107)
A busca do desenvolvimento pessoal é um dos princípios centrais da arte
da performance. Não se vê a atuação performática somente como uma profissão,
mas também como um palco de experiência ou de tomada de consciência para
utilização na vida, não havendo assim uma separação rígida entre arte e vida. A
persona está para o performer assim como o personagem está
para o ator.
2 Videoarte
Entre os críticos, há um
consenso de que o vídeo visto como meio para expressão estética surge
oficialmente no Brasil em 1975, a partir de duas grandes mostras de videoteipe
brasileiros, uma em São Paulo e outra na Filadélfia (EUA). No Brasil, toda a
primeira geração, “geração dos pioneiros”, de criadores de vídeo era
constituída de nomes em geral já consagrados no universo das artes plásticas ou
em processo de consagração, como foram os casos de Antônio Dias (Corpo e Alma), Anna Bela
Geiger (Passagens N° 1), José Roberto Aguilar (Anavedave), Ivens Machado, Letícia Parente (Marca Registrada), Sônia Andrade,
Regina Silveira, Júlio Plaza, Paulo Herkenhoff, Regina Vater, Fernando
Cocciaralle, Mary Dritschel, Paulo Bruscky e tantos outros. A título de
exemplo, num dos trabalhos mais perturbadores dos anos 1970, a artista Letícia
Parente em Marca Registrada bordou a palavra MADE IN BRASIL sob a própria planta dos pés, apontada
para a câmera num big close up.
Segundo Arlindo Machado
(1997), o vídeo nasceu integrado ao projeto de expansão das artes plásticas,
como um meio entre outros, mas no processo criativo do artista, ele nunca
chegou a ser encarado com exclusividade. Às vezes, era mesmo difícil
compreender os trabalhos de videoarte fora do conjunto da obra do autor. Não se
buscava ainda explorar possibilidades de linguagem próprias do vídeo, a não ser
em um ou outro caso isolado, as vezes até de forma acidental. Essa situação só
seria modificada um pouco mais tarde, quando uma nova geração, mais
comprometida como a exploração dos recursos retóricos da imagem eletrônica,
finalmente entrasse em cena.
Ninguém melhor que Rafael
França (Obra como testamento) deu continuidade ao projeto estético dos pioneiros (simplicidade formal,
uso moderado de tecnologia, inserção ‘narcísica’ do próprio realizador na
imagem, auto-exposição pública). Como acontecia em quase toda a obra da
primeira geração, o personagem principal dos vídeos de França é quase sempre
ele mesmo, seja figurado, pessoalmente como protagonista, seja se fazendo
projetar no outro. França praticava a videoarte especulando seus próprios
conflitos interiores, de cunho bastante pessoal, como a indignação dramática
sobre a questão da homossexualidade e sobretudo, sua obsessão maior, a
fatalidade da morte. França morreu de AIDS aos 33 anos de idade e praticou
videoarte até o final de sua vida.
Com a tecnologia digital, a videoarte começa uma fase
de desenvolvimento tão importante quando o acesso aos sistemas de edição nos
anos 70. As realidades artificiais invadem o pensamento do videoartista, que
passa a manipular esse dado extra em seu trabalho. Os efeitos especiais
proliferam e dão ao artista a capacidade de manipular os códigos visuais após a
gravação. (FRANÇA,1997, p.101)
A evolução de equipamentos
trouxe mudanças nos modos de produção e estilo da videoarte.
3 Artemídia
Arlindo Machado (2007)
explica que o vocábulo “ARTEMÍDIA”, forma aportuguesada do inglês “MEDIA ARTS”,
tem-se generalizado nos últimos anos para designar formas de expressão
artística que se apropriaram de recursos tecnológicos das mídias e da indústria
do entretenimento em geral, ou intervém em seus canais de difusão, para propor
alternativas qualitativas. Scrictu Senso,
o termo compreende, portanto, as experiências de diálogo, colaboração e
intervenção crítica nos meios de comunicação de massa. Mas, por extensão,
abrange também quaisquer experiências artísticas que utilizem os recursos
tecnológicos recentemente desenvolvidos, sobretudo nos campos da eletrônica, da
informática e da engenharia biológica. Incluímos portanto, no âmbito da
artemídia, não apenas os trabalhos realizados com mediação tecnológica em áreas
mais consolidadas, como as artes visuais e audiovisuais, literatura, música e
artes performáticas, mas também aqueles que acontecem em campos ainda não inteiramente
mapeados, como a criação colaborativa baseada em redes, as intervenções em
ambientes virtuais ou semivirtuais, aplicação de recursos de hardware e software para a geração de obras interativas, probabilísticas, potenciais,
acessíveis remotamente etc. Nesse sentido, “artemídia” engloba e extrapola
expressões anteriores, como “arte & tecnologia”, “artes eletrônicas”,
“arte-comunicação”, “poéticas tecnológicas” etc.
Figura 1 - Dick Higgins, [Fluxus Chart], 1981. Ink on Paper, 45.7 x 58.4 cm.
Na figura 1 Dick Higgins
demonstra uma inter-relação entre linguagens artísticas e a possibilidade de
novas linguagens surgirem, sendo que esta intermídia pode expressar uma única
linguagem de arte: fusão conceitual. Interações humanas descentralizadas e
baseadas principalmente nas necessidades específicas de um determinado corpo,
neste caso artistas. O gráfico mostra intersecções entre trabalho fluxus e
afins e não faz nenhuma tentativa de cronologia linear. Fluido na forma, o
gráfico mostra círculos concêntricos e sobrepostos que aparecem para se
expandir e contrair em relação ao "Intermedia", quadro que os
engloba. É uma estrutura aberta que convida a um jogo.
4 Vídeo ou Performance?
Fernando Cocciaralle,
através de entrevista concedida a André Parente (PARENTE, 2007) nos conta que
nos anos 1970 as performances (que ninguém chamava de performance, eram happenings[1]
ou intervenções) tinham por característica um certo desdobramento temporal,
que precisava ser registrado, digamos, apenas como memória, ou havia um
fotógrafo que pegava a sequência, ou alguém com uma Super-8, uma 36mm etc.
Então, o vídeo é suscitado por uma demanda muito séria, que se dá no campo da
experiência artística, que é pensar agora o tempo e o espaço como valores
articulados.
Portanto, tem-se a
performance documentada em vídeo ou fotografia, e a performance feita para o
vídeo, para ser expressa em vídeo. Mas cremos no modo de olhar o vídeo com o
olhar da videoperformance, bem como na aceitação de que esta provavelmente
surgiu da percepção do corpo do artista na videoarte. Pouquíssimos trabalhos
dos pioneiros da videoarte eram encarados como performance. Muitas vezes a
câmera funde uma imagem de um corpo com outro, só com o movimento – isso é uma
performance, mas é uma performance da câmera. Se não houvesse a câmera, o
artista não poderia fazer. O sentido dela é ser vista em vídeo. Interessante a
visão de Cocciaralle a seguir:
Há um equívoco nesta discussão de linguagem, até
porque eu não acho nem que hoje em dia se deva falar de linguagem. Nos voltamos
para uma neopolitécnia, que está no Photoshop, que está no sintetizador. Ficar
falando de linguagem hoje em dia é bullshit, mas se as pessoas acham que a
linguagem do vídeo é filmar em close, editar, colocar efeitos, eu diria que é
também uma possibilidade do vídeo registrar simplesmente uma performance. Muito
mais importante é a situação poética. Como é que uma performance de Letícia
Parente botando esparadrapos nos olhos e desenhando seus olhos poderia ser
vista tão em close, com tanta intimidade, se não fosse um vídeo? Como é que as
pessoas veriam ao vivo se estivessem a dez metros de distância? Iriam ver um
olhinho bem pequeno ou nem veriam, porque o próprio corpo de Letícia,
provavelmente, seria um obstáculo. Então aquilo que eu vejo ali é vídeo, mas há
uma performance, uma ação direta do artista. (COCCIARALLE in: PARENTE, 2007, p.68)
5 Videoperformance
O vídeo se potencializou
como linguagem a partir do contato com outras linguagens: diálogos do vídeo com
a música, a dança, o teatro, a performance, a literatura, com ambientes
arquitetônicos e urbanos, com a pintura etc. Meios expressivos da arte sendo
contaminados pelo conglomerado sígnico que representa o vídeo.
É a lógica do vídeo +, ou o vídeo que soma seus
sentidos aos sentidos de outras linguagens (como no vídeoclip, na vídeodança,
no vídeoteatro, na videoperformance, na vídeocarta, na vídeopoesia, na
vídeoinstalação e nas intervenções midiáticas no espaço público) de tal forma
que uma linguagem não pode ser mais lida dissociada da outra. (MELLO, p. 137)
Percebe-se então que há um
diálogo entre o vídeo e a performance, onde ambos mantém seus atributos
particulares, mas na manifestação dialógica manifesta-se uma nova linguagem,
como uma filha da “união amorosa” entre o vídeo e a performance.
Esse é o caso dos diálogos
entre vídeo e performance promovidos nas videoperformances em tempo real, como Marca Registrada (1975) de Letícia
Parente; e entre o vídeo e a dança, como na vídeodança Corpo Provisório, de 1997, concebida por Adriana Varella.
Para a videoperformance, o
corpo cria significados por intermédio de sua mediação com mecanismos de
registro de imagem – nesse caso com a câmera videográfica. Os artistas que
introduzem a arte do vídeo no Brasil revelam a presença crítica do corpo em
muitos dos seus trabalhos. Apresentam, em sua grande maioria, práticas
performáticas, captadas em tempo real e criadas especialmente para o meio
videográfico, não podendo ser consideradas meros registros da ação
performática. Nessas manifestações a câmera não registra meramente a ação, ela
possui outra função nesses trabalhos.
Na medida em que não existe interatividade com o
público, com audiência, ou com o outro, a interatividade do corpo do artista é
produzida no enfrentamento com a própria câmera de vídeo. Desse modo, tais
tipos de manifestações são frutos do diálogo contaminado entre a linguagem do
corpo e a linguagem do vídeo, gerando uma síntese ou a chamada videoperformance. (MELLO, p.144)
Na videoperformance o corpo
é agente do gesto performático, sendo que este corpo está em diálogo constante
com a câmera num embate não-hierárquico, mas híbrido de corpo e tecnologia,
corpo e máquina, corpo e câmera, corpo e vídeo.
Abaixo
uma videoperformance de minha autoria.
TRANSFORMAS DO
HÍBRIDOATOR – Videoperformance, 7', 2013.
Videoperformance realizada no Elevado/Minhocão da
cidade de São Paulo, próximo à estação Marechal Deodoro do Metro. Criação e
música de Renato Sergio Sampaio e assistência de Daniela Danica, a gravação foi feita em uma câmera de telefone celular. Versa sobre
três formas compreendidas pelo autor durante as aulas que obteve de Marcos
Bulhões na ECA USP no ano de 2013. A primeira forma - figurino azul - representa
Pina Bausch; a segunda - figurino amarelo - é baseada em Bob Wilson; e a
terceira - figurino preto - em La Fura Dels Baus. O professor Marcos pediu que
a obra devesse ser realizada em transitáveis conhecidos, naturais e
corriqueiros da cidade de São Paulo e que tivesse contido nela aprendizagens
referentes às suas aulas dadas.
BIBLIOGRAFIA
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Something Else Newsletter 1, No. 1 (Something Else Press, 1966).
MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro:
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In: COSTA,
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PARENTE, André (Org.). Preparações e tarefas. Letícia Parente. São Paulo: Paço
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SAMPAIO,
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Paulo) vol.1 no.1 São Paulo, 2003.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São
Paulo: Educ, 2000.
[1] Happening: linguagem que incorpora elementos de espontaniedade e improvisação,
nunca se repetindo da mesma maneira a cada nova apresentação. Apesar da
semelhança com a performance, o happening
é imprevisível e livre. O artista leva somente sua intenção inicial e depois
improvisa com interações do público. Já a performance tem começo, meio e fim
determinados e não propõe a mesma integração social do happening.
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