quarta-feira, 24 de julho de 2013

Verbete: COMPOSIÇÃO
Autor: Fabiano Lodi

Para Bogart (2005, p. 137), “Composição é uma extensão natural do treinamento em Viewpoints. É o ato de escrever como um grupo, no tempo e no espaço, usando a linguagem do teatro”. Trata-se de uma etapa do treinamento voltada à criação de obras originais. Tarefas específicas relacionadas a uma temática que se pretende abordar são designadas aos artistas do grupo com o qual se está trabalhando. Incentiva a assimilação prática de materiais e ideias diversas surgidas nas sessões de Viewpoints, com vistas a um direcionamento artístico cênico, seja uma cena aleatória, uma peça curta, uma performance, coreografia etc.
Seu conteúdo consiste em um conjunto de possibilidades estruturado a conferir a autoria da obra em processo aos artistas envolvidos em sua criação. Configura-se pelo estabelecimento de um espaço próprio para esboçar ideias rapidamente e mostrá-las cenicamente, torná-las ações concretas. Algumas premissas referentes ao trabalho criativo que emerge dessa metodologia incluem: encorajar artistas a fazerem escolhas sem elaborações prévias demasiadas; acentuar o risco de agir impulsionado primordialmente por meio de intuições, de algo desconhecido e que pode se relacionar à temática investigada entre o grupo de artistas; minimizar o compromisso, muitas vezes limitador, de elaborar resultados artísticos premidos pelo desejo de significar.
Exemplo prático dessa abordagem pode ser verificado em Não Olhe Agora, produção do Coletivo Improviso, do Rio de Janeiro, cujos expoentes principais são o diretor Enrique Diaz e a atriz Mariana Lima. O tratamento cênico dado a essa obra evidencia a justaposição de variados fragmentos performativos originados em sessões de improvisação, alicerçadas na filosofia dos Viewpoints.
Landau (1995, p. 26) destaca que “Composição é para o diretor o que os viewpoints são para os atores: um método para o exercício da sua arte”. Considerada a não-existência de uma hierarquia na prática de Composição, vislumbra-se indícios de que a direção teatral pode ser exercida, eventualmente, por não diretores. Este entendimento confere, por exemplo, aos atores, poderes de decisão sobre o próprio trabalho. Bogart (2005, p. 153) admite esta possibilidade quando afirma que “alguns dos materiais gerados na fase compositiva poderão ser usados diretamente em uma produção”. Marinis (1998, p. 08) destaca que a “perda da centralidade criativa que caracteriza o diretor no século XX [...] representa um legado das experiências mais significativas do novo teatro contemporâneo”.
Composição foi a primeira experiência prática vivida por Anne Bogart dentre as três técnicas que combinou no treinamento de atores da SITI Company. Esse contato aconteceu por intermédio da dançarina e coreógrafa Aillen Passloff. Na década de 1970, Passloff foi professora de Bogart no período em que ela cursava o bacharelado em Artes em Annandale-on-Hudson, cidade próxima a Nova York onde está localizado o campus da Bard College.
Cabe ressaltar que Viewpoints se destaca como a principal e a mais difundida prática de treinamento de ator na SITI Company. Para Olsberg (1994, p. 36) “o treinamento em Viewpoints determina uma estrutura na qual os atores podem trabalhar”. Método Suzuki e Composição são apresentados como pares combinados com Viewpoints, potencializando o que neles há de peculiar quando desenvolvidos em uma prática continuada. No que se refere à prática de Composição, segundo Cummings (2005, p. 221), “os viewpoints alimentam um material que poderá ser tornar parte de um todo ainda em desenvolvimento”; relativo ao trabalho combinado com o treinamento a partir do Método Suzuki, o ator Barney O´Hanlon (apud LAMPE, 2001, p. 189) constata: “Viewpoints é muito livre e Suzuki é muito formal. Viewpoints pode trazer a vitalidade e plenitude ao corpo no [treinamento do método] Suzuki e o Suzuki pode trazer ao treinamento em Viewpoints a incrível compreensão do corpo no espaço”.

- Na videoperformance a seguir, uma proposta de Composição audiovisual criada em São Paulo poucos dias após as manifestações de junho. Traz um repertório material ligado a esse universo, o qual seja possível estabelecer leituras diversas a respeito dos protestos, dos movimentos contrários ao aumento da passagem dos transportes públicos em São Paulo, entre outras questões associadas e desencadeadas por meio desses acontecimentos.

Deixe a Esquerda Livre:

Referências bibliográficas:

BOGART, Anne; LANDAU, Tina. The Viewpoints Book: A Practical Guide to Viewpoints and Composition. New York: Theatre Communications Group, 2005.

CUMMINGS, Scott T. Anne Bogart. In: MITTER, Shomit; SHEVTSOVA, Maria (Ed.). Fifty Key Theatre Directors. New York: Routledge, 2005, p. 217-222.

LAMPE, Eelka. SITI - A Site of Stillness and Surprise: Ann Bogart´s Viewpoints Training Meets Tadashi Suzuki´s Method of Actor Training. In: WATSON, Ian (Ed.). Performer Training: Developments Across Cultures. Singapore: Harwood Academic Publishers, 2001, p. 171-189.

LANDAU, Tina. Source-Work, The Viewpoints and Composition: What are They? In: Anne BOGART: Viewpoints. Edited by Michael Dixon and Joel A. Smith. Lyme, New Hampshire: Smith and Kraus Inc, 1995, p. 13-30.

MARINIS, Marco de. A Direção e sua Superação no Teatro do Século XX. In: ECUM - Encontro Mundial de Artes Cênicas - Conferência: A formação do Diretor e a Ruptura dos Limites do Teatro Conteporâneo. Belo Horizonte, 1998. Disponível em: <http://ecum10anos.com.br/wp-content/uploads/2012/10/Marco-de-Marinis.pdf>. Acesso em: 04 de abril de 2013.

OLSBERG, Dagne. Freedom, Structure, Freedom: Anne Bogart´s Directing Philosophy. Tese de Doutorado. Texas: Texas Tech University, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário