sábado, 14 de julho de 2012


Colagem como procedimento pedagógico

Por Marcelo Braga

            O termo colagem foi primeiramente utilizado pelas artes plásticas para denominar uma prática que consiste em aproximar dois objetos, artísticos ou não. Esse procedimento “trabalha os materiais, tematiza o ato poético de sua fabricação, diverte-se com a aproximação casual e provocativa de seus componentes.” (PAVIS, p. 51) Um exemplo célebre foi o bigode e cavanhaque que Marcel Duchamp colocou na Gioconda de Leonardo da Vinci, atitude provocativa que acabou por delinear um novo horizonte para as vanguardas artísticas do século XX.
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            Esse conceito, difundido pelas artes visuais, foi também incorporado à prática das artes cênicas. O dramaturgo ou o encenador não mais se utiliza de uma obra única mas passa a agregar fragmentos das mais variadas origens (trechos de peças, textos literários, notícias de jornal, letras de música, imagens, etc...) a partir de uma unidade temática. A abordagem de um determinado tema pode ser feita por aproximação ou por oposição, de acordo com o resultado cênico desejado, através da utilização de metáforas e/ou metonímias.
            A colagem, quando utilizada no âmbito da criação teatral, pode apresentar as seguintes formas:
A-   Colagens de textos, de natureza diversa, que resultam em matéria prima para a encenação. No espetáculo Ensaio.Hamlet, realizado pela Companhia dos Atores do Rio de Janeiro, encontramos o texto de William Shakespeare fundido a outros textos. 
B-   Colagens visuais ou sonoras que, quando agrupadas, se constituem em material cênico. No Espetáculo Einstein on the beach de Bob Wilson encontramos a associação do trabalho do encenador ao do músico Philip Glass.
C-   Colagens de elementos de cena que fazem parte da dramaturgia da encenação. No espetáculo Crónica de José Agarrotado, da companhia espanhola Los Corderos, existe uma utilização de vários elementos cênicos, aparentemente sem relação, mas que se articulam a partir do uso dado a eles pelos atores ou pela resignificação desses objetos.

As possibilidades pedagógicas da colagem

            A utilização da colagem, no âmbito da pedagogia teatral, pode se constituir em importante elemento catalisador da aprendizagem, especialmente quando o trabalho é desenvolvido com iniciantes. 
            Quando a proposta de colagem inclui e escolha de um tema por um grupo de trabalho e a conseqüente seleção de trechos de textos pelos aprendizes acaba-se por solicitar desse aprendiz que reflita sobre o texto que está escolhendo. Esse processo de leitura/reflexão/escolha é um potente articulador de idéias e permite, através de uma atitude prática, que o aprendiz investigue as questões que são emergentes, para ele. Em um experimento descrito por Marcos Bulhões Martins, em que se utilizou a colagem como recurso, permitiu o “surgimento de novos significados que compuseram uma dramaturgia inesperada, revelando as opções temáticas e discursivas de cada um dos subgrupos”. (MARTINS, 2001, p.110).
Por outro lado, quando a proposta de colagem parte do propositor/mestre pode-se possibilitar ao aprendiz um contato próximo com o universo proposto, especialmente quando se trata de colagens de textos de um mesmo dramaturgo, iniciando-se assim uma investigação cênica. Nos trabalhos pedagógicos realizados pela atriz e diretora Myrian Muniz, esse recurso permitia um estudo amplo dos personagens presentes nos trechos selecionados.  Ela acreditava que o ato de investigar o personagem não deve gerar uma fusão entre artista e criação, mas sim possibilitar uma intersecção entre ambos, que provoca pontos de contato e identificação, gerando uma conscientização de que o ator não é o papel que representa, mas que o primeiro contém o segundo. Ela descrevia assim essa prática:

Em primeiro lugar escolhemos um mestre e vamos pesquisar e estudar a vida dele, a sua obra e focamos em uma parte dela para fazermos a montagem. Já trabalhamos com Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jean Cocteau, Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, Fernando Pessoa, Juó Bananere, Lorca, Brecht, entre outros. Eu levo a poesia ou o texto, apresento o autor, digo quem é, analiso, leio, e aí passo para eles estudarem, memorizarem, interpretarem, o que é o mais difícil. Precisa ter conhecimento, vivência. No fim de ano tem uma montagem com cenografia, figurino e luz. A divulgação, o levantamento de recursos, administração, tudo eles fazem. Tenho trabalhado assim. (JANUZELLI e JARDIM,1999/2000)

A colagem, seja ela criadora de novos significados cênico-dramatúrgicos ou ainda facilitadora de novas experiências aos aprendizes de teatro, pode ser utilizada como ferramenta de construção de um experimento cênico ou até mesmo um espetáculo teatral, durante processos de formação.  

  
BIBLIOGRAFIA

JANUZELLI, Antonio e JARDIM, Juliana. Práticas do ator: relatos de mestres. São Paulo.  LINCE-CAC-ECA-USP. 1999/2000. Pesquisa de registros escritos e áudio-visuais de metodologias do ator, a partir da colheita da fala direta de relatos dos autores das práticas: Beth Lopes, Cristiane Paoli-Quito, Francisco Medeiros, Hélio Cícero, Luiz Damasceno, Márcio Aurélio, Myrian Muniz, Ricardo Puccetti

MARTINS, M. B. Encenação em jogo. São Paulo: Hucitec, 2004.



                   

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