Colagem como procedimento pedagógico
Por
Marcelo Braga
O termo colagem foi primeiramente utilizado
pelas artes plásticas para denominar uma prática que consiste em aproximar dois
objetos, artísticos ou não. Esse procedimento “trabalha os materiais, tematiza
o ato poético de sua fabricação, diverte-se com a aproximação casual e
provocativa de seus componentes.” (PAVIS, p. 51) Um exemplo célebre foi o
bigode e cavanhaque que Marcel Duchamp colocou na
Gioconda de Leonardo da Vinci, atitude provocativa que acabou por delinear um
novo horizonte para as vanguardas artísticas do século XX.
Esse conceito,
difundido pelas artes visuais, foi também incorporado à prática das artes
cênicas. O dramaturgo ou o encenador não mais se utiliza de uma obra única mas
passa a agregar fragmentos das mais variadas origens (trechos de peças, textos
literários, notícias de jornal, letras de música, imagens, etc...) a partir de
uma unidade temática. A abordagem de um determinado tema pode ser feita por aproximação
ou por oposição, de acordo com o resultado cênico desejado, através da
utilização de metáforas e/ou metonímias.
A colagem,
quando utilizada no âmbito da criação teatral, pode apresentar as seguintes
formas:
A- Colagens de textos, de natureza diversa, que resultam em matéria
prima para a encenação. No espetáculo Ensaio.Hamlet, realizado pela Companhia
dos Atores do Rio de Janeiro, encontramos
o texto de William Shakespeare fundido a outros textos.
B- Colagens visuais ou sonoras que, quando agrupadas, se constituem
em material cênico. No Espetáculo Einstein on
the beach de Bob Wilson encontramos a
associação do trabalho do encenador ao do músico Philip Glass.
C- Colagens de elementos de cena que fazem parte da dramaturgia da
encenação. No espetáculo Crónica de José Agarrotado, da companhia espanhola Los Corderos, existe
uma utilização de vários elementos cênicos, aparentemente sem relação, mas que
se articulam a partir do uso dado a eles pelos atores ou pela resignificação
desses objetos.
As possibilidades
pedagógicas da colagem
A utilização da
colagem, no âmbito da pedagogia teatral, pode se constituir em importante
elemento catalisador da aprendizagem, especialmente quando o trabalho é
desenvolvido com iniciantes.
Quando a
proposta de colagem inclui e escolha de um tema por um grupo de trabalho e a
conseqüente seleção de trechos de textos pelos aprendizes acaba-se por solicitar
desse aprendiz que reflita sobre o texto que está escolhendo. Esse processo de
leitura/reflexão/escolha é um potente articulador de idéias e permite, através
de uma atitude prática, que o aprendiz investigue as questões que são
emergentes, para ele. Em um experimento descrito por Marcos Bulhões Martins, em
que se utilizou a colagem como recurso, permitiu o “surgimento de novos
significados que compuseram uma dramaturgia inesperada, revelando as opções
temáticas e discursivas de cada um dos subgrupos”. (MARTINS, 2001, p.110).
Por outro lado, quando a proposta de colagem parte do
propositor/mestre pode-se possibilitar ao aprendiz um contato próximo com o
universo proposto, especialmente quando se trata de colagens de textos de um
mesmo dramaturgo, iniciando-se assim uma investigação cênica. Nos trabalhos
pedagógicos realizados pela atriz e diretora Myrian Muniz, esse recurso permitia um estudo amplo dos personagens
presentes nos trechos selecionados. Ela
acreditava que o ato de investigar o personagem não deve gerar uma fusão entre
artista e criação, mas sim possibilitar uma intersecção entre ambos, que
provoca pontos de contato e identificação, gerando uma conscientização de que o
ator não é o papel que representa, mas que o primeiro contém o segundo. Ela
descrevia assim essa prática:
Em primeiro lugar escolhemos um mestre e vamos pesquisar e
estudar a vida dele, a sua obra e focamos em uma parte dela para fazermos a
montagem. Já trabalhamos com Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Jean Cocteau,
Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues, Fernando Pessoa, Juó Bananere, Lorca,
Brecht, entre outros. Eu levo a poesia ou o texto, apresento o autor, digo quem
é, analiso, leio, e aí passo para eles estudarem, memorizarem, interpretarem, o
que é o mais difícil. Precisa ter conhecimento, vivência. No fim de ano tem uma
montagem com cenografia, figurino e luz. A divulgação, o levantamento de
recursos, administração, tudo eles fazem. Tenho trabalhado assim. (JANUZELLI e
JARDIM,1999/2000)
A colagem, seja ela criadora de novos significados cênico-dramatúrgicos
ou ainda facilitadora de novas experiências aos aprendizes de teatro, pode ser
utilizada como ferramenta de construção de um experimento cênico ou até mesmo
um espetáculo teatral, durante processos de formação.
BIBLIOGRAFIA
JANUZELLI, Antonio e
JARDIM, Juliana. Práticas do ator: relatos de mestres. São Paulo. LINCE-CAC-ECA-USP. 1999/2000. Pesquisa de
registros escritos e áudio-visuais de metodologias do ator, a partir da
colheita da fala direta de relatos dos autores das práticas: Beth Lopes,
Cristiane Paoli-Quito, Francisco Medeiros, Hélio Cícero, Luiz Damasceno, Márcio
Aurélio, Myrian Muniz, Ricardo Puccetti
MARTINS, M. B. Encenação
em jogo. São Paulo: Hucitec, 2004.
interessante, sinto falta de referencias em foto e video
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