Disciplina: Encenações em Jogo
Aluna: Laila Padovan
CORPO: apresentação e
representação
“Um corpo, graças à sua simples
força, e por seu ato, é poderoso o bastante para alterar mais profundamente a
natureza das coisas do que jamais conseguiu o espírito em suas especulações e
sonhos.” (VALÉRY, 2005)
Pretendo abordar aqui como o corpo
se apresenta e é encarado nas diversas manifestações do teatro performativo,
indo ao encontro de uma noção de corpo do ator ligada à apresentação do corpo e
não à representação do corpo. Enquanto no teatro dramático, o corpo
representava estados, personagens e histórias, no teatro performativo, o corpo
fica mais livre de representações e o que é ressaltado é a ação em si mesma.
Abaixo, destaquei algumas passagens de Josette Feral que pudessem
abordar esta questão:
“Logo, quando Schechner menciona a importância da ´execução de uma
ação´ na noção de ´performer´, ele, na realidade, não faz senão insistir neste
ponto nevrálgico de toda performance cênica, do ´fazer´. É evidente que esse
fazer está presente em toda forma teatral que se dá em cena. A diferença aqui –
no teatro performativo – vem do fato de que este ´fazer´ se torna primordial e
um dos aspectos fundamentais pressupostos na performance.” (FÉRAL, 2005)
“O ator aparece aí, antes de tudo, como um performer. Seu corpo, seu
jogo, suas competências técnicas são colocadas na frente. O espectador entra e
sai da narrativa, navegando segundo as imagens oferecidas ao seu olhar. O
sentido aí não é redutivo. A narrativa incita a uma viagem no imaginário que o
canto e a dança amplificam. Os arabescos do ator, a elasticidade do seu corpo,
a sinuosidade das formas que solicitam o olhar do espectador em primeiro plano,
estão no domínio do desempenho. O espectador, longe de buscar um sentido para a
imagem, deixa-se levar por esta performatividade em ação. Ele performa.” (FÉRAL, 2005)
“No teatro performativo, o ator é chamado a fazer, a estar presente, a
assumir os riscos e a mostrar o fazer, em outras palavras, a afirmar
performatividade do processo. A atenção do espectador se coloca na execução do
gesto, na criação da forma, na dissolução dos signos e em sua reconstrução
permanente. Uma estética da presença se instaura.” (FÉRAL, 2005)
Assim,
todo o treinamento de corpo do ator-performer tem como foco a ação em si,
procurando não representar mas apresentar. Neste sentido, deixa-se de tentar
encontrar treinamentos que visem tornar o ator apto a representar diferentes
emoções, histórias, estados e personagens e passa-se a treinar o performer a
estar no aqui e agora, com suas próprias sensações e estados, sem representar
estes estados, mas sim vivê-los integralmente.
No intuito de ampliar estas
noções de representação do corpo e de apresentação do corpo, encontrei em Merleau-Ponty
considerações sobre o corpo que trazem para a discussão as principais
diferenças entre vivenciar o próprio corpo e ter uma representação deste corpo.
Para Merleau-Ponty, a tradicional separação entre mente e corpo faz com que o
indivíduo se afaste da experiência do corpo próprio e acabe vivendo-o apenas
como formas de representação de estados mentais. Ele chama a nossa atenção para
a importância da vivência do corpo em si, em suas ações e movimentos, antes
mesmos destes serem encaixados em significados.
“Assim, a experiência do corpo próprio
opõe-se ao movimento reflexivo que destaca o objeto do sujeito e o sujeito do
objeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo em idéia, e não a
experiência do corpo ou o corpo em realidade.” (MERLEAU-PONTY,
2011, p.269)
“Merleau-Ponty ilumina a seu
modo a noção do corpo como o ser próprio do homem, entendendo que o corpo
fenomenal é o corpo próprio, ou seja, o corpo vivido, com o qual percebemos o
mundo de modo originário, não conceitual. Neste sentido, compreende o corpo
como sujeito da percepção e, através da afirmação ´sou meu corpo´ permite que
se compreenda a subjetividade como corporeidade.” (CASANOVA DOS REIS, 2010,
p.38)
“É pelo corpo que tomamos
contato com a realidade extensa, isto é, com os demais corpos com os quais
interagimos. A alma, idéia do corpo, não é um reflexo do corpo, mas a
consciência do corpo e de sua inteligibilidade, bem como a de outros corpos...
Espinosa foge de uma explicaãó do tipo mecanicista: o corpo não é causa das
idéias, nem as idéias são as causas dos movimentos do corpo. Alma e corpo
exprimem no seu modo o mesmo evento.” (CHAUÍ, 2000, p.16)
Para ilustrar essas questões,
faço breves referências a diferentes maneiras de trabalhar este corpo dentro de
Bob Wilson, Pina Bausch, Zé Celso e La Fura Del Baus. De forma
alguma tenho a pretensão de abordar com profundidade a noção de corpo de cada
um deles pois isso seria tema para teses inteiras, mas arrisco-me a elencar
alguns exemplos apenas para ilustrar o tema aqui exposto.
1) Sobre o trabalho corporal desenvolvido por Bob
Wilson:
“A maior parte dos
exercícios descritos neste capítulo são exemplos das várias técnicas concebidas
para diminuir o fosso entre a mente e o corpo, sobretudo através da observação
e da compreensão de seus ritmos próprios.” (GALIZIA, 2005, p.99)
“todo mundo deve fazer
seus próprios movimentos, andando ou dançando, geralmente sem parceiros, sem
passos ou instruções (ao que parece, o conceito de Wilson era o de que,
subconscientemente, o participante sentiria e se adaptaria ao movimento dos
demais). As instruções, esparsas, sugeriam que cada um deveria obedecer aos
impulsos de seu corpo e tentar tomar consciência de que movimentos gostaria de
realizar em cada momento. O recém-chegado surpreende-se ao descobrir que seu
corpo tem tais desejos, isto é, impulso de relacionar-se com o espaço de
determinada maneira, criar um espaço próprio, concretizar o tempo e
individualizá-lo de acordo consigo. Até certo ponto a pessoa se acha capaz de
movimentar-se
livremente, sem um propósito, consciente das necessidades que tem o corpo de
movimentar-se, obedecendo facilmente a seus impulsos cinéticos.” (Sthephan Brecht, The Theatre of Visions, p.205, In.
GALIZIA, 2005)
2) Na obra de Pina Bausch:
“A dança é radicalmente caracterizada por
aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático em geral, ela não formula sentido,
mas articula energia, não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é
gesto... A realidade própria das tensões corporais, livre de sentido, toma o
lugar da tensão dramática. O corpo parece desencadear energias até então
desconhecidas e secretas.” (LEHMANN, 2007)
“... processo pelo qual o dançarino se
torna a própria dança, ou seja, ele não representa um sentido, mas é o sentido
mesmo da própria existência, vívido sentido vivido.” (CASANOVA DOS REIS,
2010, p. 27)
3) Na obra de Zé Celso:
“A percepção erótica não é um cogitatio
que visa um cogitatum; através de um corpo, ele visa um outro corpo, ela se faz
no mundo e não em uma consciência.” (MERLEAU-PONTY,
2011)
4) Na obra de La Fura dels
Baus:
“La Fura centra toda a ação
e movimentação nos corpos dos atuantes e também dos espectadores, todos os e
todas as participantes na construção e vivências corporais que significam a
própria obra. Maurice Merleau-Ponty nos lembra que ´espaço corporal e espaço
externo formam um sistema prático´. Esse corpo que é o mundo e as margens da
realidade encontra outros corpos, mundos e realidades dentro das comunidades
formadas pela linguagem furera. A percepção do espaço corporal em uma área
dividida tem uma relação direta, tanto com o próprio corpo de um quanto com os
outros espaços corporais. Sendo assim, a linguagem furera promove uma
aceleração física e sensorial de todos os envolvidos, em um encontro – ou
choque – universal de sistemas práticos distintos, questionando definições de identidade
e alteridade ou diferenciações definitivas de igual e outro, dependendo das
ações cênicas de cada momento.” (Fernando Pinheiro Villar, O pós-dramático em
cena: La Fura dels Baus. In O Pós-dramático. Um conceito operativo? De J.
Guinsburg e Sílvia Fernandes, orgs.)
Referências Bibliográficas:
ABAD, Mercedes, La Fura dels
Baus, 1979-2004. Barcelona, Electa, 2004.
CALDEIRA,
Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o
espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Annablume, 2009.
CASANOVA DOS
REIS, Alice. Há experiência estética na Biodança? Um estudo fenomenológico
sobre a experiência do corpo em um grupo de Biodança. Tese (doutorado) –
USP, 2010
DUFRENNE, M. Estética
e Filosofia. São Paulo. Perspectiva, 2008.
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade:
o teatro performativo. Tradução: Lígia Borges. Revisão de tradução: Cícero
Alberto de Andrade Oliveira, 2005.
GALIZIA, Luiz
Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo, Editora
Perspectiva, 2005.
KATZ, Helena. Pina
Bausch coreógrafa. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de dezembro de 2000.
LEHMANN, Hans-Thies. O
teatro pós-dramático. São Paulo, Cosac&Naify, 2007.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia
da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.
VALÉRY, P. A
alma e a dança e outros diálogos. (M. Coelho, trad.). Rio de Janeiro,
Imago, 2005.
VILLAR, Fernando Pinheiro. O pós-dramático em cena: La Fura dels Baus. In: Guinsburg, J. e Fernandes, Sílvia, orgs. O Pós-Dramático. Um conceito Operativo?
o texto merece ainda ser amplaido, desenvolvimento de texto conclusivo..
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