quarta-feira, 1 de agosto de 2012


 Dramaturgia aberta
(Viviane Dias)

Dramaturgia associada à cena contemporânea. Para Patrice Pavis, se a forma fechada extrai a maioria de suas características do teatro clássico europeu, a forma aberta se define como reação a essa dramaturgia (PAVIS,173).
O livro de Umberto Eco, a Obra Aberta inaugura esta abordagem a partir do texto literário, como depositário de uma multiplicidade de sentidos, implicando uma acentuada liberdade por parte do leitor, que tem como tarefa dialogar com o texto numa análise pessoal. A abertura de uma obra também pode ser considerada condição de fruição estética, possibilitando várias possibilidades interpretativas, que Derrida chama de princípio da pluriinterpretabilidade.
Uma dramaturgia, portanto, de signos instáveis, fluídos, ambíguos, sobreposição de significados  convidando permanente adaptação do espectador. Utiliza recursos associados à dramaturgia contemporânea: a fragmentação textual, a paródia, o “ecletismo estilístico”, a reutilização de textos do passado (FEIX, 2008), a inter-conexão, na estrutura rizomática,  (em diálogo com Deleuze).
“Não integra as diferentes intrigas a uma ação principal, mas joga com as repetições e variações temáticas (leitmotiv) e com as ações paralelas” (PAVIS, 173) e questiona conceitos como tempo - “o tempo, fragmentado, não corre de modo contínuo” – e o espaço “o lugar e o sentido dos objetos cênicos variam sem cessar: o espectador é convidado a aceitar suas convenções” ( PAVIS, 174). Os personagens são “ferramentas dramatúrgicas utilizadas de diversas maneiras, sem preocupar-se com verossimilhança ou realismo” (PAVIS, 174). A linguagem, pode se utilizar também do lírico e sua força imagética e sintética , (como O Horácio, de Heiner Müller, em que diálogos e rubricas são apresentados na forma de poesia dramática) como do narrativo.

Um texto que seja concebido como “soma de significações”, em diálogo com Kantor, numa proposta de parceria, que remonta à idéia de jogo, com a encenação (KANTOR. p.XXXVI), com fissuras provocativas de um trabalho cênico (que não as esgotam ) e também de uma participação co-criativa do público. Em se tratado de encenação, Pavis refere-se ao trabalho de V. Klotz dizendo que aos dois estilos de construção dramática (aberta e fechada) correspondem dois modos de construção cênica. A dramaturgia aberta está associada ao diálogo com o papel do texto no teatro contemporâneo.
Um texto que se completa ainda somente a partir da imaginação ativa do espectador e nesta perspectiva, encontra afinidade com o conceito de Poética da Autoração (GERMANO, 2009a) que compreende as intencionalidades e procedimentos de um autor que “compõe obra que solicita um necessário e intencional empenho e desempenho de  poiesis de potenciais espect-autores no âmbito intermediário da meta-recepção.” E que, portanto, estimule um teatro político se entendermos, como Lehmann, o político como maneira de usar os signos e não como conteúdo:  “a política do teatro é uma política da percepção.” (LEHMANN. P.424) À perda dessa referência tradicional quando não há mais informação maciça e segura é compensada por um lugar mais importante oferecido ao leitor com a condição de que ele aceite correr os riscos que isso traz”. (RYNGAERT,1998:32 )

Uma texto que valorize o processo e o devir mais do que imagens previamente definidas, dialogando com uma visão de um homem inacabado, como formula Baumann (BAUMAN, 2001), e com novas possibilidades, para quem esta dramaturgia é feita. De uma maneira mais ampla, propõe a pesquisa de uma dramaturgia que se relacione com transformações socio-culturais que se observam na atualidade. (Esse estreito relacionamento entre novos conteúdos socio-culturais e a busca por outras possibilidades artísticas, não é novidade. Peter Zsondi já relaciona a influência dos então novos conteúdos socio-culturais do fim do século XIX na explosão das formas do drama : “Pois a superação da contradição na próxima etapa do desenvolvimento é preparada nos elementos formais tematicamente encobertos contidos já na antiga forma que se tornou problemática. E a mudança para o estilo em si não-contraditório se efetua à medida que os conteúdos, desempenhando uma função formal, precipitam-se completamente em forma e, com isso, explodem a forma antiga”.) (ZSONDI, 2001 p.95)
O trabalho do dramaturgo pode residir ainda na montagem, intertextualidade, fragmentação, sem incluir a intervenção do acaso.

BAUMAN, Zygmunt.  Mal-Estar da Pós-Modernidade.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Mil Platôs- Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
DELEUZE, G. Sobre o Teatro, um Manifesto de Menos.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
DERRIDA, Jacques. Gêneses, genealogias, gêneros e o gênio. Porto Alegre: Sulina, 2005.
ECO. Umberto. A obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1969
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Tradução: Lígia Borges. Revisão de tradução: Cícero Alberto de Andrade Oliveira, 2005.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2003.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo: Editora Cosac&Naif, 2007.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Ler o teatro contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
_______________________.Introdução à análise do teatro. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880-1950). São Paulo: Cosac Naif, 2001.
Artigos:
GERMANO, N. retrato coletivo on-line na [des]construção de uma identidade coletiva. In: VIII
Encontro Internacional de Arte e Tecnologia (#8.ART). Anais... Brasília: UnB, 2009. 
____________. Poética da autoração e poéticas em coletividade: agenciamento autoral coletivo na arte interativa. ANPAP- 2011.
FEIX, Tania Alice Caplain. Mythologias dramatúrgicas e cênicas contemporâneas: Phaedra´s Love de Sarah Kane. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários. Volume 14 (Dez. 2008) - ISSN 1678-2054.

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