segunda-feira, 16 de agosto de 2010

PROCESSO COLABORATIVO

Processo contemporâneo de criação teatral, 'com raízes na criação coletiva", teve também clara in­fluência da chamada "década dos encenadores'" no Brasil (década de 1980), bem como do desen­volvimento da dramaturgia no mesmo período e do aperfeiçoamento do conceito de ator-criador. Surge da necessidade de um novo contrato entre os criadores na busca da horizontalidade nas re­lações criativas, prescindindo de qualquer hierar­quia preestabelecida, seja de texto, de direção, de interpretação ou qualquer outra. Todos os criado­res envolvidos colocam experiência, conhecimento e talento a serviço da construção do espetáculo, de tal forma que se tornam imprecisos os limites e o alcance da atuação de cada um deles, estando a rela­ção criativa baseada em múltiplas interferências.
o texto dramático não existe a priori, vai sen­do construído juntamente com a cena, requerendo, com isso, a presença e um dramaturgo responsá­_ vel, numa periodicidade a ser definida pela equipe.
Todo material criativo (ideias, imagens, sen­sações, conceitos) deve ter expressão na forma de cena - escrita ou improvisadalrepresentada. Sendo assim, a cena, como unidade concreta do espetáculo, ganha importância fundamental no processo colaborativo.
Não existe um modelo único de processo co­laborativo. Em linhas gerais, ele se organiza a par­tir da escolha de um tema e do acesso irrestrito de todos os membros a todo material de pesquisa da equipe. Após esse período investigativo, ideias começam a tomar forma, propostas de cena são feitas por quaisquer participantes e a dramaturgia pode propor uma estruturação básica de ações e personagens, com o objetivo de nortear as eta­pas seguintes. Damos a essa estruturação o nome de canovaccio, termo que, na Commedia dell'Arte italiana, indicava o roteiro de ações do espetácu­lo, além de indicações de entrada e saída de ato­res, jogos de cena etc.
Embora o canovaccio seja responsabilidade da dramaturgia, não deve se constituir em mera "cos­tura" das propostas do coletivo, tampouco em uma visão particular do dramaturgo a ser cumprida à risca pela equipe. O processo colaborativo é dia­lógico, por definição. Isso significa que a confron­tação e o surgimento de novas ideias, sugestões e críticas não só fazem parte de seu modus operandi como são os motores de seu desenvolvimento.
A partir da estruturação dramatúrgica, ou si­multaneamente a ela, ocorre a seleção do mate­rial elaborado em sala de ensaio, de modo que muitos elementos são descartados e outros tan­tos permanecem para ser modificados, aprofun­dados ou sintetizados no decorrer do trabalho. Cenografia", figurino, iluminação, sonoplastia e outros componentes podem ser pesquisados e elaborados concomitantemente à construção do espetáculo, estando os responsáveis abertos tan­to a dar quanto a receber os comentários e su­gestões da equipe. O responsável pela elaboração do texto dramatúrgico acompanha igualmente os ensaios até que se chegue a um ponto satisfató­rio quanto a essa área. Embora o processo cola­borativo solicite integração de seus participantes na construção de uma obra única e comum, isso não significa a dissolução das identidades criadoras, ao contrário, propugna pela autonomia e pelo aprofundamento dessas identidades.
Um outro princípio norteador do processo colaborativo é o conceito de que teatro é uma arte efêmera, que se estabelece na relação do espetá­culo com o público, considerando este último igualmente um criador. Dessa forma, próximo à conclusão do período de ensaios podem ocor­rer, antes da estreia oficial, apresentações abertas com o objetivo de colher impressões, críticas e sugestões dos espectadores. O material levanta­do retoma para a reflexão do grupo" e elaboração final do espetáculo - o que não impede que haja modificações no decorrer das temporadas, inclu­sive por conta da relação público-cena.
Aquilo que chamamos hoje de processo cola­borativo começou a se aprofundar no começo dos anos de 1990 com o Teatro da Vertigem, de São Paulo, dirigido por Antônio ARAÚJO. A pesquisa aprofundou-se na medida em que foram criados seus três primeiros espetáculos ao longo de dez anos: Paraíso Perdido, O Livro de Já e Apocalipse 1,11. Muitos outros grupos, amadores" ou profis­sionais, dentre os quais a Companhia do Latão, de São Paulo, e o Grupo Galpão, de Belo Horizonte, adotam, sistematicamente ou não, o processo cola­borativo na elaboração de seus trabalhos. A Escola Livre de Teatro de Santo André (SP) e o Galpão Cine Horto (MG) são também referências na bus­ca da horizontalidade de relações artísticas entre seus integrantes. (LAA e AN)

(GUINSBURG, J., FARIA, João Roberto e LIMA, Mariângela Alves de (Coord.). Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva: Edições SESC SP, 2009, p.279 - 280)

2 comentários: