1. A escritura (a arte ou o texto) dramática é o universo teatral tal como é inserido no texto pelo autor e recebido pelo leitor. O drama é concebido como estrutura literária que se baseia em alguns princípios dramatúrgicos: separação dos papéis, diálogos, tensão dramática, ação das personagens. Esta escritura dramática possui características que facilitam sua passagem para (ou sua confrontação com) a escritura cênica: principalmente a distribuição do texto em papéis, seus buracos e ambigüidades, a abundância de indicações espaço-temporais", A escritura dramática não deve, todavia, ser confundida com a escritura cênica que leva em conta todas as possibilidades de expressão da cena (ator, espaço, tempo).
A tarefa do cenógrafo é assistir o encenador para encontrar uma escritura (ou uma linguagem) cênica: "para cada peça, inventar uma espécie de linguagem para o olho que sustente os significados da peça, os prolongue e faça eco a eles, ora de modo preciso e quase crítico, ora de modo difuso e sutil, à maneira de uma imagem poética (onde os sentidos fortuitos não são menos importantes que aqueles que foram procurados), no interior do registro e do modo de expressão escolhido" (R. ALUO, citado in BABLET, 1975: 308).
2. A escritura (ou a arte) cênica é o modo de usar o aparelho cênico para pôr em cena - "em imagens e em carne" - as personagens, o lugar e a ação que aí se desenrola. Esta "escritura" (no sentido atual de estilo ou maneira pessoal de exprimir-se) evidentemente nada tem de comparável com a escritura do texto: ela designa, por metáfora, a prática da encenação, a qual dispõe de instrumentos, materiais e técnicas específicos para transmitir um sentido ao espectador. A fim de que a comparação com a escritura se verifique como algo bem fundado, seria necessário estabelecer primeiramente o léxico dos registros, unidades e modos de prática cênica. Mesmo que a semiologia* revele certos princípios de funcionamento cênico, é claro que ainda ficamos muito longe de um alfabeto e de uma escritura no sentido tradicional.
- A escritura cênica nada mais é do que a encenação* quando assumida por um criador que controla o conjunto dos sistemas cênicos, inclusive o texto, e organiza suas interações, de modo que a representação não é o subproduto do texto, mas o fundamento do sentido teatral. Quando não há texto a encenar, e, portanto, encenação de um texto, falar-se-á no sentido estrito em escritura cênica: a de um WILSON (nos seus primeiros trabalhos), um KANTOR ou um LEPAGE.
O trabalho dramatúrgico* (sentido 2) encara o texto dramático dentro da perspectiva de sua escritura cênica.
3. Para PLANCHON, a escritura cênica e a escritura dramática sempre existiram, mas cada época privilegia uma delas: a Idade Média escreve em imagens, procura representar as personagens de seus mistérios. O c1assicismo parte do texto, adapta e retrabalha materiais textuais, sem preocupar-se com sua apresentação visual. Nossa época distingue as duas escrituras e as representações escolhem uma delas: "Às vezes o texto dramático ocupa todo o terreno, às vezes é a escritura cênica, e, às vezes, é a mistura dos dois" (Pratiques n. 15- 16, 1977, p. 55). Esta distinção e este corte que os encenadores, como os eruditos, deleitam-se em perpetuar é, em si, bastante discutível, pois, se sempre se opôs historicamente mimese (a imitação de uma coisa) a diégese (o texto que descreve esta coisa), a imagem ao texto, é em virtude de um critério de imitação e de realismo, logo, de relação ao referente, que está longe de ser o único possível. Por outro lado, todo texto obriga o leitor a fazer dele, para si, uma representação ficcional e, inversamente, toda imagem cênica se lê também conforme um conjunto de códigos e circuitos que a linearizam e a decompõem.
(PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: perspectiva, 1999, p 131 - 132)
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