terça-feira, 31 de julho de 2012

Verbete- A Cena Contemporânea- Uma Experiência Prática



A Cena Contemporânea – Uma experiência Prática.
Enfoque pedagógico
Martha Travassos

Projeto Vozes Roubadas
“Às vezes temos a sensação de que estas vozes estão conversando umas com as outras, completando-se e cantando juntas numa única voz, a voz da infância e da juventude insubstituível.”- Zlata Filipovic

Introdução:
O projeto foi elaborado pelos estudantes do teatro Escola Macunaíma, dirigidos por Paco Abreu onde tive a oportunidade de ser assistente e aprendiz. Através da encenação tentamos resgatar as vozes de jovens a partir de diários de guerra escritos e organizados no livro: Vozes Roubadas, por Zlata Fillipovic e Melanie Challenger. O intuito de escutar o outro em suas diversas mazelas nos fez aproximar dos diversos conflitos vivenciados por pessoas reais. Estamos em um momento em que percebemos com maior sensibilidade que a história educacional caminha junto com a história social e cultural, onde a educação é uma reprodução do dinamismo histórico como experiência humanizadora de nosso momento histórico.


O objetivo da educação tem sido ajudar o ser humano em seu processo de humanização.
Deparamos com permanentes encontros e desencontros nesse processo de educação e formação humana. A possibilidade dessa abertura para pesquisa é sintonizar-se a dinâmica social e cultural de nossa sociedade, da capacidade de diálogo com diferentes áreas de conhecimento e criar um lugar de resistência.
Conforme Pupo, 2005 “o teatro é afirmado mais enquanto processo do que como resultado acabado, mais como ação e produção em curso do que como produto. Uma transformação na percepção da plateia é assim provocada”


Tecnologias em Cena


Nossos alunos adolescentes de 14 a 19 anos são íntimos de toda tecnologia, operam com facilidade todo tipo de aparato eletrônico que tem acesso: celulares, computadores, máquinas fotográficas, videogames e outros aparelhos, utilizando vorazmente as ferramentas disponíveis na internet, em especial as redes sociais, para registrar e publicar suas ações, opiniões e imagens.
Qual seria a ponte entre eles e o fazer teatral contemporâneo? Com tais questionamentos, em meio a tantos outros, busco compreender como os alunos se apropriam das referências que estão ao seu redor veiculados na mídia, através de vídeos, internet e incorporar as à suas produções e alterar o curso das práticas cênicas ali desenvolvidas.
Nessa experiência em questão a encenação foi concebida após estudos de cena e vivências, onde atmosferas temáticas foram propostas.
Foram organizados grupos que pesquisaram diversas fontes onde eram relatadas situações reais de conflitos, confinamentos e intolerância religiosa como documentários, filmes, imagens, arquivos oficiais e outros diários de guerra e isso tudo serviu de guia para esse universo e inspiração para as vivências. Essas vivências foram registradas em vídeo que depois de assistido foi criado um repertório.
Os atores se apropriaram das imagens pesquisadas na internet que remetiam o seu ponto de vista em relação às vivências e aos textos lidos.
A extensa pesquisa de imagens se tornou uma importante ferramenta de aproximação do ator com os relatos dos diários. Uma reflexão sobre os conflitos ali vividos e uma forte conexão entre os jovens e a cena contemporânea.

O processo de criação foi desenvolvido pelos próprios estudantes através de referências trazidas por eles mesmos em diálogo com aquelas trazidas por nós professores e foram criadas novas formas de relação, seja com a tecnologia ou com os processos de aprendizagem, apontaram novos arranjos para a construção do conhecimento.

Aprendi que através desse processo, que o professor deve posicionar-se não apenas como observador, mas como parte do grupo, sujeito às mesmas intempéries e às mesmas paixões que atingem os demais participantes, assumindo o risco de criar junto com seus alunos, garantindo o espaço para a experiência e não temendo os rumos inesperados que podem surgir das investigações.

Segundo Buckingham, 2010 encontramos um território fértil de aproximação com novas gerações no dialogo das práticas teatrais contemporâneas com as tecnologias da Imagem.

No olhar de Lehmann, 2007 dramaturgo e teórico da estética teatral e do
teatro contemporâneo, designado por ele como “teatro pós-dramático”,  somente “no curso da ampliação e em seguida da onipresença das mídias na vida cotidiana desde os anos 1970, entrou em cena um modo de discurso teatral novo e multiforme”.  Para Lehmann, as práticas cênicas desenvolvidas na segunda metade do século XX e, portanto, constituídas em paralelo às sensíveis transformações nos costumes e ao avanço da sociedade midiática, são experimentos radicais centrados na fragmentação das narrativas e na negação da ilusão do real, dentre outros fatores, que trazem novas exigências aos envolvidos na emissão e recepção dos signos e sinais que compõem o “tempo de vida comum” da representação teatral e aceitação de riscos.

Textos fragmentados, Sobreposições, repetições e deslocamentos.
Nessa encenação tivemos vários procedimentos da cena contemporânea em jogo. Os textos fragmentados foram extraídos do texto original (livro) e somados ou intercalados com os diários pessoais dos próprios atores de forma não linear. Sonoridades criavam a atmosfera de repressão e ao mesmo tempo de sonho. Algumas frases de efeito e as que resumiam sentimentos eram repetidas. Um ambiente de vozes e palavras que queriam falar e serem ouvidas.

Jogo coletivo, coralidades:
Não buscamos mais jogos que desenvolvam somente as capacidades individuais e sim as coletivas. Ensinamos no teatro que é através do outro que tudo se passa. Um encontro de personalidades formando um só caldo. Estamos interessados em formar cidadãos, espectadores alem de futuros atores/ atrizes.
Talvez possamos pensar a sala de aula como um laboratório, lugar de pesquisa e
experimentação, espaço onde a radicalidade da experiência está na presença do outro e, de acordo com Pupo, envolve “a valorização do trabalho coletivo – e dentro dele a capacidade de escuta, condição primeira da alteridade – o desenvolvimento da capacidade de jogo, o questionamento dos papéis habituais de ator e platéia e a ênfase na reflexão sobre o próprio processo de criação”.

“Se você atuar de forma que o outro se torne bom, você mesmo será bom” - Fomenko


O épico:
Através das contestações cênicas e dos questionamentos podemos nos distanciar, avaliar melhor e multiplicar as perspectivas. Criar múltiplos olhares sobre o mesmo tema.


ReferênciasBuckingham, David: Cultura Digital, Educação Midiática e o Lugar da Escolarização.
Revista Educação e Realidade. 2010
Canton, Kátia: Narrativas Enviesadas. 2009
Dayrell, Juarez (organizador):
Múltiplos Olhares Sobre Educação e Cultura. Editora UFMG. 2009
Desgranges, Flávio: A pedagogia do espectador.
Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 2006
Lehmann, Hans-Thies: Teatro pós-dramático. 2007
Picon-Vallin, Béatrice: Teatro híbrido, Estilhaçado e múltiplo: Um enfoque pedagógico. Sala Preta 11, 2011
Pupo, Maria Lúcia de Souza Barros:
Entre o mediterrâneo e o Atlântico, uma aventura teatral. 2005
      

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