Baba Antropofágica: Lygia Clark
Dirce
Helena Carvalho
A motivação para criar o verbete Baba
Antropofágica decorre da pesquisa que venho desenvolvendo com Lygia Clark desde a minha dissertação de mestrado intitulada:
Lygia Clark: o voo para o espaço real – do bi para o tridimensional –, iniciada em 2005. Dentre os textos já publicados sobre a artista é oportuno destacar as experiências que venho realizando com a Baba junto aos alunos do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia. No Festival Escrita na Paisagem , em sua nona edição, Universidade de Évora/Portugal, realizamos uma ação WEB BABA - em parceria com Mara Leal , e Joyce Aglae, junto aos alunos do Curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia. Os conceitos de tempo , espaço e simultaneidade , foram nomeados para a experiência com a Baba. Os alunos das duas universidades experienciaram a Baba simultaneamente e em lugares diferentes.A Baba foi inscrita no Festival integrando-se ao tema "Cosmopolítica", direcionado às discussões sobre identidades de sujeitos, diversidades de pertencimentos e as contaminações nas fronteiras da arte. Esta experiência juntamente com os depoimentos dos participantes foi publicada em parceria com Mara Leal em Teatro-Máscara e Ritual.
Diante da atualidade da Baba, suscitando questões da arte contemporânea que não se esgotam, as minhas inquietações me trazem de volta para realizar mais um exercício reflexivo sobre esta proposição considerando este lugar - Dicionário de Teatro da Acupuntura Poética - coordenado por Marcos Bulhões , privilegiado para instaurar tal proposição em um verbete.
Diante da atualidade da Baba, suscitando questões da arte contemporânea que não se esgotam, as minhas inquietações me trazem de volta para realizar mais um exercício reflexivo sobre esta proposição considerando este lugar - Dicionário de Teatro da Acupuntura Poética - coordenado por Marcos Bulhões , privilegiado para instaurar tal proposição em um verbete.
Lygia sonhou com uma substância que saia de sua boca em um fluxo contínuo, sem cessar. Este sonho se repetiu por inúmeras vezes e dele nasceu a Baba. Muitas de suas criações tem relação com o onírico, com ancestralidades, com memórias, sonhos...
A obra de Lygia Clark exige trabalho contínuo de reflexão, pois a partir do momento em que deixa o objeto de arte e elege o corpo como o topos para as suas manifestações a artista já adentra o terreno da contemporaneidade problematizando diversas questões que estão na pauta dos debates autuais. Da análise de documentos, depoimentos da artista, catálogos e fotografias, se obteve algumas referências importantes que podem colaborar para o entendimento da Baba , portanto, quando se trata de ações artísticas que inovam suportes e que não reafirmam modalidades ou estilos,cabe um exercício de reflexão para situar a 'obra' em sua gênese.
A obra de Lygia Clark exige trabalho contínuo de reflexão, pois a partir do momento em que deixa o objeto de arte e elege o corpo como o topos para as suas manifestações a artista já adentra o terreno da contemporaneidade problematizando diversas questões que estão na pauta dos debates autuais. Da análise de documentos, depoimentos da artista, catálogos e fotografias, se obteve algumas referências importantes que podem colaborar para o entendimento da Baba , portanto, quando se trata de ações artísticas que inovam suportes e que não reafirmam modalidades ou estilos,cabe um exercício de reflexão para situar a 'obra' em sua gênese.
A Baba
Antropofágica por ser efêmera gera uma discussão contínua quanto à própria
preservação de sua memória. Faz-se necessário um estudo aprofundado sobre o
grupo de fenômenos que se inserem nesta proposição procurando recolher dados
que possam reconstruir-lhe sua autenticidade, resgatando-lhe o preciso âmbito
cultural em que foi criada para que
seja preservada na memória coletiva. A ideia da arte como acontecimento, como experiência é uma das singularidades da poética de Lygia Clark e estão inscritas na Baba Antropofágica.
Essa proposição instiga o debate sobre questões da arte
contemporânea, tais como, a arte como experiência, a estética relacional, a
cena paisagem , o lugar da arte, a arte e o espaço-mundo, a arte como encontro,
o corpo como suporte da arte, o corpo coletivo, ritualidades, o efêmero,
a presença, o aqui-agora, a redefinição de fruição, participação, entre outros.
Na proposição da Baba a artista recusa todo mito exterior ao homem,vai contra qualquer tipo de projeção, enfatizando que o próprio homem deve assegurar-se por meio de sua liberdade. É uma busca de um novo conceito de realidade. Abandona qualquer tipo de formalismo e o que desperta o seu interesse são as experiências, os comportamentos, os pensamentos. Lygia faz uma redefinição no conceito de fruição. O que interessa é o sujeito-participante-espectador-autor que através da ação, trava consigo um diálogo existencial, sem poéticas transferentes , pois, conforme elucida a artista, elas dão uma falsa noção da realidade, reforçando no homem a necessidade de mitos externos. Ao assumir a imanência através do ato é, também, negar qualquer possibilidade de projeção de mitos externos. Todos os mitos forma desfeitos sendo que as desestabilizações do contemporâneo rompem com o conceito de universal, tão propalado na obra de arte aurática solicitando ao espectador uma fruição contemplativa.
A ideia de participação nos anos 60 é uma
categoria interna na composição das propostas dos artistas, ao mesmo tempo,
promove a participação por meio do próprio ato artístico e também do
político-social, passando a dar destaque a esses dois fatores. É a tentativa
de construção de uma nova arte que
pretende responder às necessidades de um país novo e, ao mesmo tempo, estar ao
nível de outros países.Uma das principais características dessa década
é a desmistificação da obra de arte que, colocada em xeque, abre novas
possibilidades no campo das artes .
As exposições Opinião 65 e Opinião 66,
realizadas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Proposta 65 e Proposta 66,
realizadas na Fundação Armando Álvares Penteado, da Nova Objetividade Brasileira, em 1967, no MAM, Rio de Janeiro, dão o tom da efervescência do meio
artístico, do contato entre os grupos de artistas e do intercâmbio com
correntes artísticas internacionais.
Os fundamentos dessas três exposições
corroboram o ideário artístico da época
e dos acontecimentos mais recentes no campo das artes visuais brasileiras,
consequência das transformações que ocorrem a partir do abandono dos suportes
tradicionais: quadro e escultura. Existe um esforço dos artistas desta época em colocar
a vanguarda em termos nacionais, não mais como manifestação européia e/ou americana,
como Noveau-Realismo francês e o Pop
americano.
É oportuno destacar que Lygia Clark participa do neoconcretismo(1959-1960) e assina o Manifesto Neoconcreto junto a Hélio Oiticica , Ferreira Gullar,, entre outros. Os artistas do neoconcretismo se opõem ao tempo mecânico , privilegiado pelo cientificismo do concretismo paulista e buscam a experiência do tempo em movimento. Tempo do presente que se faz no instante da ação do espectador.Tempo que se dá em função do agir sobre a obra.
A Baba Antropofágica
é o presente a ser vivido em um tempo em movimento. É no efêmero,
no precário, no instante, no corpo, no ato, que ela se realiza. Não comunica mensagens. A obra se dilui no espaço-mundo.
Suely Rolnik, à época, na dissertação La mémorie du corps,
de Psicologia, defendida em Paris, a pedido da própria Lygia, fez uma leitura
psicanalítica das sessões da artista e
afirma que Lygia foi cada vez mais se colocando em uma posição fronteiriça.
Sobre a Baba Antropofágica, Rolnik faz uma relação do corpo sem órgãos de Artaud , Deleuze e Guatarri, rememorando a efusão das sensações vividas nos fluxos da Baba .
Em 1960, em seus escritos, Lygia já demonstra com extrema lucidez os sintomas do homem contemporâneo. Parece antever a condição desse homem destituído de referenciações. Sente na própria pele o mal estar contemporâneo e a dialética da realidade cósmica com a realidade interior. Esta necessidade leva-a a busca a arte como experiência, como laboratório de conhecimento, tentando conciliar a multiplicidade contemporânea com as singularidades do sujeito. Após a morte do plano ,sucede-se no percurso da artista uma rede de multiplicidades propositivas onde o corpo é o receptor e o participante é o criador e o próprio ato de criar é o ato de criar a si mesmo, de estar em si, no outro, no coletivo, no mundo...As proposições se inserem em experiências puramente espontâneas em que o participante, enquanto estiver fazendo a obra não se preocupe com o antes e o depois, mas apenas como o momento presente.
Em 1960, em seus escritos, Lygia já demonstra com extrema lucidez os sintomas do homem contemporâneo. Parece antever a condição desse homem destituído de referenciações. Sente na própria pele o mal estar contemporâneo e a dialética da realidade cósmica com a realidade interior. Esta necessidade leva-a a busca a arte como experiência, como laboratório de conhecimento, tentando conciliar a multiplicidade contemporânea com as singularidades do sujeito. Após a morte do plano ,sucede-se no percurso da artista uma rede de multiplicidades propositivas onde o corpo é o receptor e o participante é o criador e o próprio ato de criar é o ato de criar a si mesmo, de estar em si, no outro, no coletivo, no mundo...As proposições se inserem em experiências puramente espontâneas em que o participante, enquanto estiver fazendo a obra não se preocupe com o antes e o depois, mas apenas como o momento presente.
O contemporâneo é uma reflexão constante sobre o
próprio tempo. Mas um tempo descontínuo,
móvel. oscilante... O sujeito contemporâneo não tem unidade e Lygia é
consciente desse sujeito fragmentado.
Existe um enorme esforço para compreender a arte
contemporânea. Para alguns estudiosos o contemporâneo se remete o tempo todo ao
moderno como cânones da tradição moderna afirmando que a cultura pós-moderna é
a cultura de efeitos da moderna.
O contemporâneo trabalha no puro presente. É o devir –
o vir a ser - das transformações modernas. O impresentificável é a falta de
materialidade. Não tem forma, não tem resposta. Não há mediação entre o sujeito
e a coisa. O sujeito não tem unidade.
Um dos sintomas do pós-moderno é a perda de referência
para os valores humanos, mas mesmo na fragmentação existe um esforço de
unidade. O sujeito contemporâneo é descentrado. Como conciliar a necessidade objetiva
com as multiplicidades das subjetividades? Essa é uma das dificuldades
para interpretar a arte contemporânea.
Nessa lugar de deslocamentos, de investigações, trabalha-se com os resíduos, com os fragmentos daquilo que um dia acreditou ser único e universal, Portanto, essa visada do contemporâneo possibilita entender a Baba como um ritual, uma busca do encontro com o outro, de encontro com ancestralidades de experiência do corpo coletivo. A ideia de devoração, de antropofagia já está sinalizada pela artista em seus escritos. A Morte do Plano, 1960, Lygia já explicita questões relacionadas a projeções externas, mitos, rejeitando poéticas transferentes, Acredita que o homem é capaz de travar um diálogo consigo mesmo por meio da arte.
A Baba sublinha a vontade permanente da artista de recolocar o homem no mundo, para que seja membro da humanidade como um ser pleno de suas percepções e não como parte de uma engrenagem, buscando a ontologia história de si mesmo. Encontrar uma unidade de experiência e conhecimento. É uma experiência fenomenológica com o mundo. Afinal, qual é a fruição esperada e/ou desejada pela experiência estética contemporânea? A crítica da ideia tradicional da arte re-elabora a relação da arte com a vida por meio da desestetização da própria arte.Essa nova concepção para outro domínio que não o da obra aurática, levou o espectador para outros comportamentos diferentes do tradicional contemplativo.
A Baba é um lugar de encontro, de devoração, de derramamentos de babas, salivas, corpos . É a experiência coletiva e por incorporar o encontro tem uma relação direta com a EstéticaRelacional, ensaio escrito por Nicolau Bourriaud,1996, que concebe a arte como lugar de encontro em um determinado espaço-tempo, intransferível, único que se inscreve na efemeridade e no compartilhamento do encontro. Para o autor a arte é o lugar , o espaço de encontro. Nesse sentido, Lygia Clark e Hélio Oiticica , são considerados as matrizes da arte relacional no Brasil.
Esses deslocamentos que engendram a poética de Lygia são conseqüência da vontade permanente de recolocar o homem no mundo, para que seja membro da humanidade como um ser pleno de suas percepções e não como parte de uma engrenagem, buscando a ontologia histórica de si mesmo.
A Baba é um lugar de encontro, de devoração, de derramamentos de babas, salivas, corpos . É a experiência coletiva e por incorporar o encontro tem uma relação direta com a EstéticaRelacional, ensaio escrito por Nicolau Bourriaud,1996, que concebe a arte como lugar de encontro em um determinado espaço-tempo, intransferível, único que se inscreve na efemeridade e no compartilhamento do encontro. Para o autor a arte é o lugar , o espaço de encontro. Nesse sentido, Lygia Clark e Hélio Oiticica , são considerados as matrizes da arte relacional no Brasil.
Esses deslocamentos que engendram a poética de Lygia são conseqüência da vontade permanente de recolocar o homem no mundo, para que seja membro da humanidade como um ser pleno de suas percepções e não como parte de uma engrenagem, buscando a ontologia histórica de si mesmo.
O tempo, o espaço, o eu, o outro, a participação, a memória, o corpo, o coletivo, o espaço, a morada, o lugar da arte...da vida... Mas afinal, como categorizar a Baba? Manifestação artística? Ritual? Performance? Teatro do efêmero? Teatro do corpo? Ação teatral? Intervenção? Arte relacional?A questão de terminologias, de nomenclaturas e categorizações será sempre um problema a ser resolvido na poética de Lygia Clark. Para Guy Bret, o trabalho de Lygia reside nos esclarecimentos e na pertinência ao resolver a dicotomia sujeito-objeto, trazendo um ponto de luz sobre as questões fronteiriças da própria arte. O autor afirma que a obra de Lygia Clark “é uma estrutura poética. Incorpora um encontro, uma espécie de ‘terceira coisa’” que nos remete a brasilidade e sensualidade do corpo (BRETT in BORJA-VILLEL, 1998:33).
Na Baba , proposição do corpo coletivo, experiência do encontro, Lygia
Clark funde arte e vida . É uma experiência sensorial que nasce de uma nova arquitetura
biológica e que se dilui após realizada a proposição. Talvez, neste terreno difuso, desterritorializado em que ela acontece encontra-se a força de suas reverberações na contemporaneidade.

Referências
BORJA-VILLEL.Lygia Clark. Fundació Antoni Tápies, Barcelona, 1997, p.14.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional.São Paulo: Martins, 2009.
BRETT, Guy. Brasil Experimental.Arte e vida: proposições e paradoxos.Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2005.
CARVALHO, Dirce Helena. Lygia Clark: o vôo para o espaço real-do bi para o tridimensional. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós Graduação Interunidades(ECA, MAC, FAU,FFLCH ) da Universidade de São Paulo.
______. O corpo na poética de Lygia Clark e a participação do espectador. Revista Moringa, João Pessoa, vol. 2,n.2,131-142, jul/dez,2011.
CLARK, Lygia. 1960: A morte do plano. In: Lygia Clark et. alli. Rio de Janeiro, Funarte/Instituto Nacional de Artes Plásticas.
______.Lygia Clark. Rio de Janeiro, Funarte/Instituto
Nacional de Artes Plásticas.
ROLNIK, Suely. La mémoire du corps. 1978.
Monografia (Especialização em Sciences Humaines Cliniques) - Sorbonne, Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot, França, Paris, 1978.
ROLNIK, Sueli. Por um estado de arte: a atualidade de Lygia Clark. In:http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/estadodearte.pdf. Acessado em 20 de julho de 2013.
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