domingo, 29 de julho de 2012

VERBETE: Corpo - apresentação e representação / LAILA PADOVAN

Disciplina: Encenações em Jogo
Aluna: Laila Padovan

         CORPO: apresentação e representação

            “Um corpo, graças à sua simples força, e por seu ato, é poderoso o bastante para alterar mais profundamente a natureza das coisas do que jamais conseguiu o espírito em suas especulações e sonhos.” (VALÉRY, 2005)

            Pretendo abordar aqui como o corpo se apresenta e é encarado nas diversas manifestações do teatro performativo, indo ao encontro de uma noção de corpo do ator ligada à apresentação do corpo e não à representação do corpo. Enquanto no teatro dramático, o corpo representava estados, personagens e histórias, no teatro performativo, o corpo fica mais livre de representações e o que é ressaltado é a ação em si mesma. Abaixo, destaquei algumas passagens de Josette Feral que pudessem abordar esta questão:
    “Logo, quando Schechner menciona a importância da ´execução de uma ação´ na noção de ´performer´, ele, na realidade, não faz senão insistir neste ponto nevrálgico de toda performance cênica, do ´fazer´. É evidente que esse fazer está presente em toda forma teatral que se dá em cena. A diferença aqui – no teatro performativo – vem do fato de que este ´fazer´ se torna primordial e um dos aspectos fundamentais pressupostos na performance.” (FÉRAL, 2005)
“O ator aparece aí, antes de tudo, como um performer. Seu corpo, seu jogo, suas competências técnicas são colocadas na frente. O espectador entra e sai da narrativa, navegando segundo as imagens oferecidas ao seu olhar. O sentido aí não é redutivo. A narrativa incita a uma viagem no imaginário que o canto e a dança amplificam. Os arabescos do ator, a elasticidade do seu corpo, a sinuosidade das formas que solicitam o olhar do espectador em primeiro plano, estão no domínio do desempenho. O espectador, longe de buscar um sentido para a imagem, deixa-se levar por esta performatividade em ação. Ele performa.” (FÉRAL, 2005)
“No teatro performativo, o ator é chamado a fazer, a estar presente, a assumir os riscos e a mostrar o fazer, em outras palavras, a afirmar performatividade do processo. A atenção do espectador se coloca na execução do gesto, na criação da forma, na dissolução dos signos e em sua reconstrução permanente. Uma estética da presença se instaura.” (FÉRAL, 2005)
            Assim, todo o treinamento de corpo do ator-performer tem como foco a ação em si, procurando não representar mas apresentar. Neste sentido, deixa-se de tentar encontrar treinamentos que visem tornar o ator apto a representar diferentes emoções, histórias, estados e personagens e passa-se a treinar o performer a estar no aqui e agora, com suas próprias sensações e estados, sem representar estes estados, mas sim vivê-los integralmente. 
No intuito de ampliar estas noções de representação do corpo e de apresentação do corpo, encontrei em Merleau-Ponty considerações sobre o corpo que trazem para a discussão as principais diferenças entre vivenciar o próprio corpo e ter uma representação deste corpo. Para Merleau-Ponty, a tradicional separação entre mente e corpo faz com que o indivíduo se afaste da experiência do corpo próprio e acabe vivendo-o apenas como formas de representação de estados mentais. Ele chama a nossa atenção para a importância da vivência do corpo em si, em suas ações e movimentos, antes mesmos destes serem encaixados em significados.
   “Assim, a experiência do corpo próprio opõe-se ao movimento reflexivo que destaca o objeto do sujeito e o sujeito do objeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo em idéia, e não a experiência do corpo ou o corpo em realidade.” (MERLEAU-PONTY, 2011, p.269)
   “Merleau-Ponty ilumina a seu modo a noção do corpo como o ser próprio do homem, entendendo que o corpo fenomenal é o corpo próprio, ou seja, o corpo vivido, com o qual percebemos o mundo de modo originário, não conceitual. Neste sentido, compreende o corpo como sujeito da percepção e, através da afirmação ´sou meu corpo´ permite que se compreenda a subjetividade como corporeidade.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p.38)
   “É pelo corpo que tomamos contato com a realidade extensa, isto é, com os demais corpos com os quais interagimos. A alma, idéia do corpo, não é um reflexo do corpo, mas a consciência do corpo e de sua inteligibilidade, bem como a de outros corpos... Espinosa foge de uma explicaãó do tipo mecanicista: o corpo não é causa das idéias, nem as idéias são as causas dos movimentos do corpo. Alma e corpo exprimem no seu modo o mesmo evento.” (CHAUÍ, 2000, p.16)

Para ilustrar essas questões, faço breves referências a diferentes maneiras de trabalhar este corpo dentro de Bob Wilson, Pina Bausch, Zé Celso e La Fura Del Baus. De forma alguma tenho a pretensão de abordar com profundidade a noção de corpo de cada um deles pois isso seria tema para teses inteiras, mas arrisco-me a elencar alguns exemplos apenas para ilustrar o tema aqui exposto.
1) Sobre o trabalho corporal desenvolvido por Bob Wilson:
“A maior parte dos exercícios descritos neste capítulo são exemplos das várias técnicas concebidas para diminuir o fosso entre a mente e o corpo, sobretudo através da observação e da compreensão de seus ritmos próprios.” (GALIZIA, 2005, p.99)
“todo mundo deve fazer seus próprios movimentos, andando ou dançando, geralmente sem parceiros, sem passos ou instruções (ao que parece, o conceito de Wilson era o de que, subconscientemente, o participante sentiria e se adaptaria ao movimento dos demais). As instruções, esparsas, sugeriam que cada um deveria obedecer aos impulsos de seu corpo e tentar tomar consciência de que movimentos gostaria de realizar em cada momento. O recém-chegado surpreende-se ao descobrir que seu corpo tem tais desejos, isto é, impulso de relacionar-se com o espaço de determinada maneira, criar um espaço próprio, concretizar o tempo e individualizá-lo de acordo consigo. Até certo ponto a pessoa se acha capaz de movimentar-se livremente, sem um propósito, consciente das necessidades que tem o corpo de movimentar-se, obedecendo facilmente a seus impulsos cinéticos.” (Sthephan Brecht, The Theatre of Visions, p.205, In. GALIZIA, 2005)
2) Na obra de Pina Bausch:
   “A dança é radicalmente caracterizada por aquilo que se aplica ao teatro pós-dramático em geral, ela não formula sentido, mas articula energia, não representa uma ilustração, mas uma ação. Tudo nela é gesto... A realidade própria das tensões corporais, livre de sentido, toma o lugar da tensão dramática. O corpo parece desencadear energias até então desconhecidas e secretas.” (LEHMANN, 2007)
   “... processo pelo qual o dançarino se torna a própria dança, ou seja, ele não representa um sentido, mas é o sentido mesmo da própria existência, vívido sentido vivido.” (CASANOVA DOS REIS, 2010, p. 27)
3) Na obra de Zé Celso:
   “A percepção erótica não é um cogitatio que visa um cogitatum; através de um corpo, ele visa um outro corpo, ela se faz no mundo e não em uma consciência.” (MERLEAU-PONTY, 2011)
4) Na obra de La Fura dels Baus:
“La Fura centra toda a ação e movimentação nos corpos dos atuantes e também dos espectadores, todos os e todas as participantes na construção e vivências corporais que significam a própria obra. Maurice Merleau-Ponty nos lembra que ´espaço corporal e espaço externo formam um sistema prático´. Esse corpo que é o mundo e as margens da realidade encontra outros corpos, mundos e realidades dentro das comunidades formadas pela linguagem furera. A percepção do espaço corporal em uma área dividida tem uma relação direta, tanto com o próprio corpo de um quanto com os outros espaços corporais. Sendo assim, a linguagem furera promove uma aceleração física e sensorial de todos os envolvidos, em um encontro – ou choque – universal de sistemas práticos distintos, questionando definições de identidade e alteridade ou diferenciações definitivas de igual e outro, dependendo das ações cênicas de cada momento.” (Fernando Pinheiro Villar, O pós-dramático em cena: La Fura dels Baus. In O Pós-dramático. Um conceito operativo? De J. Guinsburg e Sílvia Fernandes, orgs.)


            Referências Bibliográficas:
ABAD, Mercedes, La Fura dels Baus, 1979-2004. Barcelona, Electa, 2004.
CALDEIRA, Solange Pimentel. O Lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço urbano em Pina Bausch. São Paulo. Annablume, 2009.
CASANOVA DOS REIS, Alice. Há experiência estética na Biodança? Um estudo fenomenológico sobre a experiência do corpo em um grupo de Biodança. Tese (doutorado) – USP, 2010
DUFRENNE, M. Estética e Filosofia. São Paulo. Perspectiva, 2008.
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. Tradução: Lígia Borges. Revisão de tradução: Cícero Alberto de Andrade Oliveira, 2005.
GALIZIA, Luiz Roberto. Os processos criativos de Robert Wilson. São Paulo, Editora Perspectiva, 2005.
KATZ, Helena. Pina Bausch coreógrafa. Jornal da Tarde. São Paulo, 15 de dezembro de 2000.
LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo, Cosac&Naify, 2007.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo. Martins Fontes, 2011.
VALÉRY, P. A alma e a dança e outros diálogos. (M. Coelho, trad.). Rio de Janeiro, Imago, 2005.
VILLAR, Fernando Pinheiro. O pós-dramático em cena: La Fura dels Baus. In: Guinsburg, J. e Fernandes, Sílvia, orgs. O Pós-Dramático. Um conceito Operativo?




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